16/04/2010 Será Que Todo Barista Visita Cafeterias? I
Eu visito cafeterias, e você?
Como falei no post anterior, sou um barista que ama café, aficionado. Me apraz degustar um espresso. Sozinho ou acompanhado, a qualquer hora.
Até mesmo à noite, se estiver num shopping ou local onde exista uma cafeteria onde sei que o serviço e o café me agradam pela qualidade, não é difícil que eu pare e beba um ristretto, que por sinal é a minha modalidade predileta.
Até já me conhecem por aí. E em determinadas cafeterias, por vezes me olham meio de lado quando chego. Devo dizer que na grande maioria delas sou muito bem recebido.
O fato é que, se paro num lugar desses, atraído pelo sedutor perfume de um arábica torrado com excelência e moído naquele instante, é por que tudo que quero realmente é saborear aquela porção de prazer que está no ar, e é claro, com todos os grandes predicados que ela pode oferecer para o meu deleite. Concordam?
Em nenhuma hipótese tenho a intenção de colecionar inimigos. Não mesmo! Muito pelo contrário, preciso que cada uma destas pessoas incumbidas desta maravilhosa função, em cada portal mágico destes, chamados cafeterias, onde se extraem este divino néctar, me amem, mesmo! Por que eu os amo a todos. Mas o que acontece, é que volta e meia me deparo com uns cafés... que vou te contar!
Quando digo: “uns cafés”, não estou me referindo à matéria-prima, ao grão, por que sei que este risco eu jamais correria, a não ser que quisesse - conheço os cafés disponíveis no mercado e sei exatamente onde encontrá-los, e sei quais devo beber e os que nem devo passar perto, por que já os bebi algumas vezes no intuito de conhecê-los e... nada pessoal, mas não são cafés que bebo (ainda tem muita cafeteria precisando repensar o produto que oferece ao seu cliente).
Assim, fica fácil entender que se o ristretto que na mesa esperei ansiosamente, me chega aberto, branco, com borda preta ou com quaisquer dessas características que nos fazem entender que não devemos esperar boa coisa daquela bebida ali na nossa frente, quando e se nos arriscarmos a bebê-la, alguém, que não é o produtor, fez alguma besteira.
E aí eu pergunto:
Quem é o responsável por isso?
E convictamente respondo:
O barista!
Sim! O barista! Muitos baristas se isentam de muitas responsabilidades e até não os culpo, por que sei que muitos deles não fazem a menor ideia do “pacote completo” das suas atribuições numa cafeteria. E sei também que muitos que sabem destas atribuições não tem a menor ideia do que é um café oxidado ou como e porque ele ficou assim, e menos ainda saberiam dizer em que período é que o café está em boas condições para ser usado a partir da data de fabricação (data da torra).
Aqui vai um toque de coração, para os meus amados colegas que por algum acaso não tenham conhecimento desta informação:
Uma série de motivos pode levar o café à oxidação ou acelerar o processo natural da mesma.
A exposição do produto ao ar por um tempo superior ao necessário para a sua manipulação é por exemplo um dos principais fatores aos quais o barista deve estar atento. A armazenagem é um outro.
A oxidação é um processo natural, inevitável, mas é possível conservar o café em bom estado por um tempo satisfatório conhecendo o “ciclo de vida” do grão torrado.
A partir do sétimo dia depois de torrado é que o café começa a mostrar suas características, pois é quando pára de emitir gases (CO e CO2), gases estes que podem mascarar essas características com aromas e sabor não muito agradáveis. Em torno do décimo quarto dia ele está no seu auge, está perfeito! Aí se consegue sentir cada nuance no aroma e no sabor da maneira mais clara que o café pode apresentar. E entrará num processo mais acelerado de oxidação, a partir do vigésimo dia depois da data de validade registrada na embalagem (que como já falei, é a data em que o café foi torrado). Considera-se que o café armazenado em embalagem valvulada – que é como normalmente são embalados os cafés em grão - tenha uma validade de até seis meses. Isso, de maneira nenhuma significa que este permaneça ainda com excelentes – ou mesmo bons, ou ainda aceitáves - sabor e aroma, após o período acima mencionado. Vale aqui lembrarmos que estamos tratando de cafés especiais. Eu diria que este café, para não ser desperdiçado, poderia de alguma forma ser aproveitado, mas nunca recomendaria a continuação do seu uso para a extração de espressos.
E é por isso meus caros, que por vezes sou obrigado a devolver o café que me é servido.
Não por puro capricho ou pretensão, ou ainda sem qualquer razão. Mas, além de outras razões, por que não sentei naquela mesa para pedir uma bebida que me fizesse contorcer o rosto a cada gole bebido. Quero beber um café delicioso, como foi prometido.
Não foi apenas uma, nem duas vezes que me serviram um espresso na mesa, e que só no olhar já pude perceber que não terminaria de beber aquilo – se começasse.
Em uma dessas vezes, por conhecer o produto, a máquina o leite e a reputação da cafeteria, considerei que se tratava de um deslize com a validade do produto. Eu havia pedido um machiatto, e o café rançoso e extremamente ácido, não se intimidou perante à doçura do bem vaporizado Batavo Origem numa belíssima La Marzocco. Reclamei. O atendente, me fez uma cara feia e tentou me convencer de que não havia nada de errado com o café. Perguntou-me se eu tinha posto açúcar na xícara, disse-lhe que não, e ele, com um sorriso no rosto e um ar superior de quem havia solucionado o enigma, retrucou:
- Ora, se não põe açúcar no café, é evidente que ele ficará amargo, né?
Rs, aquilo me arrancou um riso que eu nem quereria ter dado, mas que veio. Não que eu estivesse rindo daquele rapaz em posição heróica postado em minha frente com a bandeja de lado na mão. Mas ri, por ter pensado, que realmente temos muito o que trabalhar, temos que fazer o cliente conhecer o conceito gourmet de café. E para essas informações cheguem a esses clientes, têm que passar pelos atendentes que é quem de fato faz o último contato com o cliente depois que o barista termina o seu dedicado ritual em frente à caldeira. É desse funcionário que o barista certamente espera total apoio para esclarecer o cliente com as informações que diferenciam o café gourmet dos cafés comerciais comuns. Pois estando limitado pelo balcão não tem acesso a todos os clientes que chegam para degustar o resultado do seu trabalho.
Falei-lhe que o café deveria estar vencido e pedi que trocasse. O que ele se pôs a fazer, notoriamente insatisfeito, rindo e balançando a cabeça negativamente. Pontos a menos para o serviço neste lugar.
Tudo bem para quem gosta, mas beber café com açúcar... não é o meu caso. Conheço - como já falei, o resultado da equação: máquina + café + leite, usados naquele lugar, e sei que não existe motivo para colocar açúcar na xícara.
Será que aquele atendente não foi orientado neste sentido? E se não foi, porque não foi?!
Tudo bem, isso é um outro problema, que “não diz respeito ao barista”. (e é um bom tema para abordarmos num outro post – o conhecimento sobre cafés especiais em relação aos outros funcionários da cafeteria ).
Mas então,vamos a ele!
Encontrei um amigo no balcão e então fui até lá para cumprimentá-lo enquanto esperava o café ser trocado. Ao chegar ao balcão, o barista que estava ocupado vaporizando o leite para a minha bebida desculpou-se ao me ver e foi me informando que aquele café que tinha sido servido realmente havia passado da data de validade, que era o mês de novembro. Estávamos no início de fevereiro.
Esta é uma das mais importantes atribuições de um barista numa cafeteria, observar a validade dos grãos no estoque; ter o cuidado de, ao receber novo café no estoque passar pra frente da fila os grãos que por ventura ainda restarem do antigo estoque. Muita gente recebe novos grãos e já começam a utilizá-los negligenciando a data de validade dos grãos que já estavam no estoque e depois não sabem explicar o por que de ter usado grãos com validade vencida
Como barista sei que poucos clientes irão procurar saber detalhes sobre o que deixou a má impressão depois daquele café. Ele até quererá saber quem o fez talvez. E isso apenas para dizer: o café estava horrível! Por isso digo que devemos ser muito amigos quando encontramos alguém que vem, reclama e dá um toque. Por que – e já sabemos disto, se o cliente não gosta e não reclama e apenas paga e vai embora, é muito provável que nunca mais volte lá naquele lugar e ainda vai fazer questão de fazer uma propaganda negativa do lugar e/ou do café pra todo mundo. Se reclama, poderá voltar sim, muitas vezes. Basta que entendamos a reclamação que ele fez e analisemos se é fundamentada ou não. E se for amigos colegas, vamos tentar mudar e entender que foi nossa a responsabilidade pelo episódio. Por que acredito, que nenhum outro colaborador em uma cafeteria queira tanto que os espressos sejam sempre bem recebidos e elogiados pelos clientes e por todos, do que um bom e competente barista que ama o que faz.
Um ristretto por favor!
Se quiserem falar sobre o assunto, criticar, concordar ou discordar, comentem ou escrevam para o 9bar.br@gmail.com